Agência FAPESP – A comunidade científica paulista usuária
de Sistemas Globais de Navegação por Satélite (GNSS, na sigla em inglês) passou
a dispor de melhor infraestrutura para utilização dessa tecnologia para fins de
pesquisa em áreas como a Geodésia (determinação da forma, dimensões e campo de
gravidade da Terra), cartografia, modelagem da ionosfera (camada que cobre a
Terra, formada por íons e elétrons) e da troposfera (localizada entre a
superfície da Terra e a ionosfera).
Construída para fins de pesquisa, a GNSS-SP também deve
contribuir para melhorar a aplicação da tecnologia em áreas como a agricultura
de precisão e previsão do tempo (divulgação)
Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp),
campus de Presidente Prudente, em parceria com colegas da Escola Superior de
Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), da Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo (Poli/USP) e do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos
(CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), implantaram a
primeira rede de estações GNSS ativa do Estado de São Paulo.
Batizada de GNSS-SP, a rede foi construída no âmbito de
um Projeto Temático, realizado com apoio da FAPESP.
“Agora dispomos de uma rede de receptores GNSS em São
Paulo, funcionando em tempo real, criada para fins de pesquisa, mas que também
deve contribuir para melhorar a aplicação de sistemas de navegação por satélite
em setores como o de agricultura de precisão, posicionamento terrestre, aéreo e
offshore e previsão de tempo, entre outros”, disse João Francisco Galera
Monico, professor da Unesp de Presidente Prudente e coordenador do projeto, à
Agência FAPESP.
Os pesquisadores participantes do projeto realizaram, no
dia 20 de junho, em São Paulo, o terceiro workshop do Projeto Temático, durante
a conferência MundoGEO#Connect LatinAmerica 2013, em que apresentaram alguns
dos principais resultados alcançados.
De acordo com Monico, a rede GNSS-SP conta atualmente com
20 estações ativas, espalhadas por diferentes municípios paulistas.
Em cada uma dessas estações há um receptor GNSS conectado
com a internet, que rastreia um conjunto de satélites GNSS em operação – como o
GPS, dos Estados Unidos, e Glonass, da Rússia – e captam em tempo real os
sinais eletromagnéticos que enviam para a Terra.
Os sinais dos satélites recebidos pelos receptores são
remetidos para um centro de processamento e armazenamento de dados, localizado
no campus da Unesp em Presidente Prudente, e disponibilizados em uma plataforma
on-line para usuários cadastrados para utilização em pesquisa.
Dados de algumas estações também são enviados para o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que os disponibiliza para
o público em geral por meio da Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo
(RBMC).
Mas, além disso, os dados de satélites fornecidos pelas
estações GNSS também poderão ser usados a partir da própria estação como
referência para realização de posicionamento relativo – em que um usuário com
um receptor GNSS estático ou móvel, próximo a uma das estações, pode obter suas
coordenadas com boa acurácia.
“A utilização de dados de redes GNSS ativas, como a
GNSS-SP, para realização de posicionamento relativo é uma tendência que deverá
aumentar cada vez mais”, estima Monico.
“Hoje os aparelhos celulares que possuem GPS fornecem
posição com precisão da ordem de 12 metros. Mas, no futuro, quando passarem a
receber correções de estações GNSS, fornecerão posição da ordem de meio metro”,
exemplificou o pesquisador, explicando que, quanto menor a distância da posição
fornecida pelo GNSS, melhor a acurácia das coordenadas do ponto de interesse.
Efeitos da ionosfera
Segundo o pesquisador, a rede também possibilitou monitorar
melhor a ionosfera e ampliar o conhecimento em relação a seus efeitos sobre os
sinais emitidos pelos satélites, que, ao passar pela atmosfera, sofrem
interferências e chegam à Terra com variações que vão desde a atenuação da
potência até alterações na direção de propagação e velocidade da onda
eletromagnética.
Ao atravessar a ionosfera, por exemplo, os sinais dos
satélites se chocam com elétrons, que alteram sua velocidade. Já ao seguir pela
troposfera, são afetados pelo vapor d’água, que pode ser estimado e utilizado
para melhorar os modelos de previsão de tempo, uma vez que algumas das estações
da rede GNNS-SP são integradas com medidores de temperatura, pressão e umidade.
Os receptores das estações GNSS medem os sinais
eletromagnéticos captados dos satélites e os decodificam em dados que podem ser
observados pelos pesquisadores para avaliar as influências que sofreram durante
a passagem pela atmosfera.
“Para nós, que trabalhamos com posicionamento geodésico
[determinação de posição sobre a superfície terrestre por meio de sistema de
coordenadas], essas interferências da atmosfera sobre os sinais dos satélites
degradam a posição e são erros que queremos eliminar para melhorar a acurácia
do posicionamento”, disse Paulo de Oliveira Camargo, professor da Unesp de
Presidente Prudente, e um dos pesquisadores principais participantes do
projeto.
“Mas para outras áreas, como a das ciências espaciais,
esses erros são sinais importantes por meio dos quais é possível calcular o
total de elétrons e gerar modelos da ionosfera, fazer inferências sobre suas
irregularidades e detectar causas de distúrbios como a cintilação ionosférica”,
comparou.
Caracterizado por uma alteração do campo magnético
durante a passagem do sinal dos satélites pela ionosfera, o fenômeno ocorre com
maior intensidade no intervalo das 18h às 2h, no horário local. Em função
disso, prejudica a utilização de GNSS na agricultura de precisão, em que a
tecnologia é usada para orientar a direção de máquinas colheitadeiras dotadas
de receptores de GNSS para piloto automático tanto de dia como à noite.
Durante os períodos de cintilação ionosférica, os sinais
dos satélites captados por estações base e enviados para um retransmissor
móvel, que os retransmite para as máquinas agrícolas, são afetados. Como
consequência, as máquinas podem ter a qualidade da posição deteriorada e não se
localizar adequadamente na área de plantação onde realizam colheita à noite,
por exemplo. “Esse é um problema para o qual nós estamos tentando encontrar uma
solução”, disse Monico.
A fim de analisar os efeitos do fenômeno, aumentar a
compreensão sobre suas causas e desenvolver novas técnicas de contramedidas a
serem implementadas em receptores de GNSS, pesquisadores da Unesp, Petrobras e
da Universidade de Nottingham, do Reino Unido, entre outros concluíram no
início de 2012 o projeto “Concept for ionospheric scintillation mitigation for
professional GNSS in Latin America” (Cigala, na sigla em inglês).
Financiado pela Comunidade Europeia, o projeto também deu
origem a uma rede de estações GNSS situadas nas cidades de Manaus (AM), Palmas
(TO), Macaé (RJ), Porto Alegre (RS) e Presidente Prudente e São José dos
Campos, ambas em São Paulo.
Em continuação ao Cigala, em novembro de 2012 foi
iniciado o projeto “Counterign GNSS high accuray applications limitations due
to ionospheric disturbances in Brazil” (Calibra, na sigla em inglês).
Também financiado pela Comunidade Europeia e com a
participação de pesquisadores de algumas das instituições que atuaram no
Cigala, alguns dos objetivos do projeto, que deverá ser concluído no final de
2014, são melhorar e desenvolver novos algoritmos para mitigar os efeitos
causados pelos distúrbios da ionosfera para posicionamento de GNSS de alta
precisão.
O projeto também prevê a instalação de mais cinco
estações de GNSS em diferentes estados brasileiros.
“Esses dois projetos, com o GNSS-SP, constituíram uma
infraestrutura de monitoramento da ionosfera que está coletando dados desde
2011”, disse Bruno Vani, que realiza mestrado na Unesp de Presidente Prudente e
participa dos três projetos.
Análise de dados
Segundo o pesquisador, até agora já foram coletados mais
de 13 terabytes de dados e 7,5 bilhões de registros de monitoramento da
ionosfera pelos três projetos.
A cada minuto, um receptor fornece mais de 60 parâmetros
diferentes da ionosfera, gerados por um conjunto de satélites, como a variação
do sinal nos últimos 60 segundos. Os dados das observações são apresentados em
arquivos com colunas de informação que são disponibilizados em um portal na
internet, em português e inglês.
Por meio de técnicas de visualização e relação de dados,
utilizadas pela ferramenta, os usuários podem saber como está a situação da
ionosfera em um determinado dia, por exemplo, e utilizá-la para realização de
pesquisas em diversas áreas e para desenvolvimento de técnicas que possam
mitigar os efeitos da ionosfera no posicionamento.
A base de dados permite aos pesquisadores avaliar os
picos de cintilação ionosférica no intervalo de um dia ou de uma semana, por
exemplo, e identificar qual o satélite mais afetado. Mas, apesar de estar em um
estágio bastante avançado de desenvolvimento, ainda requer avanços.
“Como recebemos grandes volumes de dados, é importante
que também tenhamos infraestrutura para analisá-los e para detectar
comportamentos específicos da ionosfera”, ressaltou Vani.
“Nós temos dificuldades, por exemplo, de posicionar em
períodos de disponibilidade de dados ameaçada, quando poucos satélites estão
sendo rastreados e estão sobre forte incidência de cintilação. Pode ser que,
nesse momento, não tenhamos capacidade de posicionamento”, disse.
Para solucionar esse problema, os pesquisadores
participantes dos projetos Calibra e GNSS-SP estão desenvolvendo uma ferramenta
de computação para exploração e análise de dados baseada em softwares livres.
O programa permitirá aos pesquisadores excluir um
determinado satélite mais afetado pela cintilação ionosférica do rastreamento
para possibilitar melhorar o posicionamento ou prever qual deles está mais
suscetível aos distúrbios ionosféricos, por exemplo.
“A ionosfera é uma camada muito instável que sofre
variações em diversas escalas do tempo – durante o dia, ao longo das estações
do ano e dos ciclos solares, que ocorrem em períodos de 11 em 11 anos – e é
difícil saber como estará daqui a um mês”, disse Marco Mendonça, outro
mestrando participante do projeto. “O software para exploração e análise de
dados vai nos ajudar a responder a essa questão”, afirmou.
Fonte: Agência Fapesp