O mercado livre de energia elétrica espera estagnação de tamanho no curto prazo, diante de incertezas sobre sua liquidez futura após o governo definir que toda a energia mais barata das concessões de geração que venceriam de 2015 a 2017 irá para o ambiente regulado.
Alguns agentes mais pessimistas chegam a duvidar que o mercado livre –no qual estão concentrados os consumidores industriais– terá oferta de energia suficiente no longo prazo a preços competitivos para continuar existindo.
Os consumidores livres, que representam 27 por cento do mercado de energia nacional, se beneficiarão da queda do valor da energia decorrente da redução dos encargos setoriais, segundo medidas anunciadas nesta semana. Mas não esperam, neste momento, ter vantagens pela energia mais barata dos ativos antigos.
“Essas medidas que o governo editou podem ter um efeito já agora porque parte dessa energia (da renovação das concessões) pode estar contratada no mercado livre”, disse o presidente da Bolt Comercializadora, Erico Evaristo.
Outro executivo do segmento de comercialização, que pediu para não ser identificado, alerta que ainda é preciso ter cautela, porque há dúvidas sobre se o mercado regulado precisará mesmo de toda a energia disponível das concessões renovadas para atender à demanda. Ele considera que ainda é preciso esperar os decretos que detalharão a Medida Provisória sobre renovação das concessões.
O governo antecipou a renovação das concessões de geração e transmissão que venceriam entre 2015 e 2017 para 2013, como parte do pacote para reduzir a conta de luz dos consumidores, em média, em 20,2 por cento. Parte da energia que estava contratada no mercado livre terá que ser destinada ao mercado regulado, pelas novas regras.
Não existem dados oficiais sobre quanto de energia das concessões a serem renovadas está contratado no mercado livre. Agentes estimam algo entre 15 e 20 por cento.
“Em termos de energia, mais de 20 por cento do total foi negociado no mercado livre”, afirmou o sócio-diretor da Enecel Energia, Raimundo Batista Neto.
O presidente do Conselho de Administração da Apine, associação que reúne produtores independentes –geradores de energia que negociam com o mercados livre e regulado–, Luiz Fernando Vianna, acredita que grande parte da energia produzida pelos 22.341 MW de capacidade que serão renovadas já esteja com as distribuidoras.
“Então 85 por cento estaria no mercado cativo e só 15 por cento no livre. Esse impacto não deve ser grande”, afirmou Vianna.
DEMANDA
A avaliação do presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, é de que contratos vigentes com o mercado livre estão garantidos, recaindo sobre as geradoras a obrigação de entregar a energia.
“No mercado livre, a gente corre o risco em um primeiro momento de ter falta de liquidez. Por outro lado, toda a energia que será direcionada para o cativo, até em função do momento da conjuntura econômica, não vai poder ser absorvida”, previu Faria, que não acredita no fim do mercado livre.
Ainda assim, alguns agentes consideram que o mercado livre de energia pode ser reduzido ao longo do tempo.
Além da exigência de que toda a energia das concessões renovadas vá para o mercado regulado, o mesmo vale para os leilões de energia nova. “Se essa regra perdurar, no fim, toda a energia vai acabar no mercado regulado”, disse Evaristo, da Bolt.
Atualmente, o mercado livre é composto por 579 consumidores livres (com demanda mínima de 3 MW) e 890 consumidores especiais (entre 500 kW e 3 MW, que têm direito de adquirir energia de fontes incentivadas), segundo dados no site da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Para retornarem ao mercado regulado, os consumidores especiais devem avisar de sua intenção com no mínimo seis meses de antecedência, enquanto os livres precisam avisar cinco anos antes, de acordo com a legislação do setor.
Assim, no curto e no médio prazo a volta desses consumidores para o mercado regulado não será maciça.
“O mercado está todo parado tentando entender o que está acontecendo”, disse Batista Neto, da Enecel Energia.
PREÇOS
A vantagem para consumidores migrarem para o mercado livre sempre foi a possibilidade de reduzir custos com a compra de energia. Num primeiro momento, para continuar competitivo, o mercado livre poderá sofrer uma redução de preços, segundo o sócio-diretor da Ecom Energia, Márcio Sant’Anna. “O mercado vai ter que ser criativo”, disse.
Em um rápido cálculo, Sant’Anna considera que o custo da eletricidade no mercado regulado caia em cerca de 15 por cento, considerando apenas a parcela energia, sem a redução de encargos sobre o setor e menores tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição.
O menor preço da energia no mercado regulado pode ainda motivar que consumidores com energia contratada no mercado livre queiram renegociar contratos, na tentativa de também obter preços menores, afirmou Faria, da Anace.
“Mas uma outra leitura é que no médio prazo os preços tendem a voltar a ser atrativos no mercado livre”, disse Sant’Anna, da Ecom Energia, ao explicar que novas usinas com preço de energia não influenciado pela renovação de concessões vão entrando no modelo, e porque a energia vai sendo ajustada pelo IPCA.
O especialista em energia Ricardo Savóia, da consultoria Andrade & Canellas, também avalia que a queda do preço da energia no mercado regulado forçará a uma redução no livre, pois o ambiente cativo é tido como referência de preços –estimando queda entre 10 e 15 por cento, preliminarmente.
Por Anna Flávia Rochas e Fabio Couto. Copyright Thomson Reuters 2011
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