segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Artigo: O que as empresas podem fazer pela mobilidade urbana

*Por Carlos Azevedo

As manifestações populares deflagradas por jovens paulistanos e que se espalharam pelo país todo a partir de junho de 2013 já entraram para a história da nação. Entre outros temas, chamaram a atenção, principalmente, para o problema da mobilidade urbana. Desde então, muitos setores da sociedade se debruçaram sobre o assunto e voltou-se a discutir e a falar mais do que nunca sobre a lei Nº 12.587, de janeiro de 2012, que trata da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Essa lei determina que os municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem o Plano de Mobilidade Urbana (PMU). O GreenPeace, por exemplo, lançou a campanha intitulada “Cadê o Plano de Mobilidade?’, uma ação de cobrança e patrulha sobre os governos municipais.

No entanto, se você fizer uma rápida pesquisa no Google vai descobrir que esse tema é uma trilha batida, uma antiga discussão. O engenheiro e jornalista Roberto Scaringella, um referencial sobre o assunto no país — que atuou no setor de transporte e trânsito desde 1968 e foi fundador e primeiro presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET) — entrou nessa guerra e defendeu por quase meio século um plano, um planejamento com inteligência que abraçasse as questões de mobilidade urbana. Infelizmente, faleceu nesse ano, em junho passado, sem ver muitos avanços nesse sentido.

Há mais de 10 anos, em um de seus artigos, Scaringella escreveu: “A já mencionada concentração urbana, a distribuição irracional de horários de atividades — gerando deslocamentos pendulares simultâneos –, a precariedade do transporte coletivo e o sistema viário insuficiente são um convite ao desenvolvimento de soluções de “software urbano”, procurando racionalizar os deslocamentos e as atividades dentro da infraestrutura já existente. A partir da informação obtida para enfrentar um deslocamento com o trânsito muito lento, deve-se, quando possível, alterar o horário, o percurso, o modo de transporte e/ou o destino da viagem (…). Note-se que as facilidades da informática, do geoprocessamento, dos bancos de dados e das simulações eletrônicas poderiam iluminar muito essa discussão. Melhores soluções apareceriam.

Nós concordamos totalmente e é sobre isso que queremos tratar, sobre a adoção de tecnologias de geoprocessamento no dia a dia das empresas, pois existe uma parte desse bolo que cabe às pessoas jurídicas — aos caminhões; às frotas de carros de assistência técnica ou vendedores; aos entregadores de mercadorias, às empresas de transporte de cargas e valores, entre outros — para ajudar a melhorar a mobilidade urbana. Enquanto o cidadão deve se conscientizar tirando o carro da garagem um pouco menos, as PJs devem saber que existem formas de se gerenciar uma frota de modo a não só contribuir com a melhoria do trânsito, mas trazer economia para os negócios e ainda agradar o cliente final. Estamos falando em usar a tecnologia já existente — geoprocessamento, roteirização e setorização — para otimizar o transporte de cargas, de frotas de vendedores, de perecíveis, entre outros, nas cidades.

Por incrível que pareça, muitas empresas entregaram decisões importantes de deslocamento de suas frotas nas mãos de seus motoristas. Trata-se de uma decisão não adequada para o negócio e totalmente inconveniente para o trabalhador que não foi contratado para isso — já existem leis que regulamentam sua atividade. Ao contrário, a otimização das rotas e recursos (veículos e motoristas) de uma empresa, a distribuição mais inteligente de recursos por área geográfica, planos de deslocamentos respeitando os desenhos das cidades, tudo isso pode e deve ser feito por sistemas de software especialistas.

Mas o que temos constatado é que, pelo menos, 70% das empresas ainda insistem em fazer a gestão de sua logística e de seus veículos manualmente, mas valer-se de um grande mapa da cidade, do estado ou do país, e de alfinetes e fios coloridos indicando as rotas, está longe de ser o melhor jeito de organizar e gerir os recursos de transporte. Isso está intrinsecamente ligado ao que Scaringella detectou como a resistência de se alterar hábitos e mudar comportamentos: “É de se notar que propostas alternativas de uma distribuição mais inteligente de viagens ou deslocamentos são uma forma de melhorar o trânsito sem grandes investimentos, porém é necessária muita vontade política para convencer as pessoas, físicas ou jurídicas, inclusive políticos, a mudarem de comportamento.”

Para Scaringella, o transporte de cargas com caminhões grandes, médios e pequenos ajuda a complicar a situação. Essa é a parte que cabe às empresas resolver. “Não faltaram tentativas nos últimos anos em usar horas ociosas de pouco movimento para se fazer o transporte e a operação de carga e descarga. O transportador gosta da ideia, a população que enfrenta o trânsito aplaude, entretanto os responsáveis pelos pontos de recebimento não concordam em ter em seu estabelecimento equipes de pessoal e segurança para receber a carga em horários não-comerciais. O acordo nunca foi possível”, afirmou.
Otimizando sua área geográfica

É chocante como as pessoas não otimizam a área geográfica em que atuam. As empresas muitas vezes distribuem seus vendedores de acordo com a carteira de clientes, mas se fizessem um trabalho geográfico conseguiriam concentrar esses clientes e ter uma mobilidade muito melhor. No caso de representantes comerciais que saem às ruas, é muito fácil fazer a divisão correta dessas áreas com a ajuda de software especializado. Em muitos casos, conseguimos uma redução de até 30% na quilometragem rodada, o que é significativo. Dependendo do número de recursos que estão na rua, com esse tipo de retorno, a empresa paga o investimento que fez na ferramenta de roteirização rapidamente em cerca de três ou quatro meses e, depois, é só lucro. Além disso, com uma melhor mobilidade, a empresa e seus representantes de vendas, por exemplo, podem usar o tempo que sobra para prospectar novos clientes.

Com um sistema inteligente de gerenciamento das frotas ou de roteirização, as empresas não só economizam, como reduzem a emissão  de CO2 e ainda não correm o risco de passar por cima de leis importantes, como aquelas que regulam o tempo de parada dos caminhoneiros. São muitas variáveis a serem consideradas. Somente com a ajuda da tecnologia é possível processar todas elas e obter a melhor equação.

A tecnologia também consegue ajudar a traçar rotas que evitem rodízios, pontos de alagamentos, alertem sobre a altura de pontes e viadutos no caso de caminhões baús. E mais… Com a ajuda de software e consultoria, é possível avaliar o quanto vale a pena atender um cliente do outro lado da cidade que sempre compra muito pouco. A ideia é fazer com que as empresas se desloquem menos, atendam mais clientes, busquem novos clientes e ainda melhorem seus serviços.

Outra questão importante é o controle dos recursos e do dia a dia. Como é possível saber que um determinado veículo cumpriu a rota pré-estabelecida? Como saber se um vendedor poderia ter feito mais visitas independentemente do trânsito? Como se certificar de que o motorista não ficou parado mais do que o necessário em determinado local ou cliente? Com tecnologia.

Por onde as empresas devem começar?

No Brasil, a frota de automóveis e motocicletas teve crescimento de até 400% nos últimos 10 anos. Isso é resultado também do crescimento econômico do país, mas as empresas estão longe de automatizar uma série de processos, inclusive seus departamentos de logística, de delivery, etc, e contribuir para a mobilidade das cidades. As empresas estão crescendo muito rápido e, quando se faz tudo de forma manual, conseguem avançar só até certo ponto.
Talvez o maior obstáculo a uma mudança de paradigma sejam os preconceitos. Muitas empresas não acreditam que investir em tecnologia seja importante, pois já fazem aquele trabalho manualmente há 10 ou 20 anos e querem continuar fazendo. O varejo é um caso típico: são empresas grandes, mas com trabalhos manuais em termos de logística e transporte; sua lógica de deslocamento está nas mãos dos motoristas dos caminhões de entrega.

Bem, mas como começar a mudar? Além de boa vontade e renovação do pensamento empresarial, nosso primeiro conselho para as empresas que desejam modificar seu modus operandi é que comecem organizando um banco de dados com todas as informações de seus clientes, vendedores, fornecedores, parceiros e todos que aglutinam ao seu redor e fazem parte da sua rotina de negócios. Parece óbvio e básico, mas o número de empresas que não mantêm uma base de dados com endereço, nome da rua, número, CEP, etc, em ordem é muito grande. Então, essa é a primeira lição de casa.

Segundo passo: esteja disposto a fazer algumas mudanças nas suas equipes e prepare-se para as resistências culturais. Atendemos uma empresa que não atingiu ganhos interessantes com mobilidade simplesmente porque não estava disposta a alterar a sua carteira de clientes X vendedores.

Bem, a falta de inteligência na mobilidade urbana custa caro para as empresas e custa caro para o cidadão – nem chegamos a mencionar os impactos ambientais causados pelas emissões de CO2 na atmosfera advindo dos veículos que utilizam combustíveis fósseis (petróleo – óleo diesel). A parte que cabe às empresas é pensar a mobilidade urbana usando mais tecnologia e inovação; esse é o desafio.

* Carlos Azevedo é sócio-diretor da Geograph e especialista em tecnologia de geoprocessamento


Fonte: MundoGeo

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