*Por
Carlos Azevedo
As
manifestações populares deflagradas por jovens paulistanos e que se espalharam
pelo país todo a partir de junho de 2013 já entraram para a história da nação.
Entre outros temas, chamaram a atenção, principalmente, para o problema da
mobilidade urbana. Desde então, muitos setores da sociedade se debruçaram sobre
o assunto e voltou-se a discutir e a falar mais do que nunca sobre a lei Nº
12.587, de janeiro de 2012, que trata da Política Nacional de Mobilidade Urbana.
Essa lei determina que os municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem o
Plano de Mobilidade Urbana (PMU). O GreenPeace, por exemplo, lançou a campanha
intitulada “Cadê o Plano de Mobilidade?’, uma ação de cobrança e patrulha sobre
os governos municipais.
No
entanto, se você fizer uma rápida pesquisa no Google vai descobrir que esse
tema é uma trilha batida, uma antiga discussão. O engenheiro e jornalista
Roberto Scaringella, um referencial sobre o assunto no país — que atuou no
setor de transporte e trânsito desde 1968 e foi fundador e primeiro presidente
da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET) — entrou nessa guerra
e defendeu por quase meio século um plano, um planejamento com inteligência que
abraçasse as questões de mobilidade urbana. Infelizmente, faleceu nesse ano, em
junho passado, sem ver muitos avanços nesse sentido.
Há
mais de 10 anos, em um de seus artigos, Scaringella escreveu: “A já mencionada
concentração urbana, a distribuição irracional de horários de atividades —
gerando deslocamentos pendulares simultâneos –, a precariedade do transporte
coletivo e o sistema viário insuficiente são um convite ao desenvolvimento de
soluções de “software urbano”, procurando racionalizar os deslocamentos e as
atividades dentro da infraestrutura já existente. A partir da informação obtida
para enfrentar um deslocamento com o trânsito muito lento, deve-se, quando
possível, alterar o horário, o percurso, o modo de transporte e/ou o destino da
viagem (…). Note-se que as facilidades da informática, do geoprocessamento, dos
bancos de dados e das simulações eletrônicas poderiam iluminar muito essa
discussão. Melhores soluções apareceriam.
Nós
concordamos totalmente e é sobre isso que queremos tratar, sobre a adoção de
tecnologias de geoprocessamento no dia a dia das empresas, pois existe uma
parte desse bolo que cabe às pessoas jurídicas — aos caminhões; às frotas de
carros de assistência técnica ou vendedores; aos entregadores de mercadorias,
às empresas de transporte de cargas e valores, entre outros — para ajudar a
melhorar a mobilidade urbana. Enquanto o cidadão deve se conscientizar tirando
o carro da garagem um pouco menos, as PJs devem saber que existem formas de se
gerenciar uma frota de modo a não só contribuir com a melhoria do trânsito, mas
trazer economia para os negócios e ainda agradar o cliente final. Estamos
falando em usar a tecnologia já existente — geoprocessamento, roteirização e
setorização — para otimizar o transporte de cargas, de frotas de vendedores, de
perecíveis, entre outros, nas cidades.
Por
incrível que pareça, muitas empresas entregaram decisões importantes de
deslocamento de suas frotas nas mãos de seus motoristas. Trata-se de uma
decisão não adequada para o negócio e totalmente inconveniente para o
trabalhador que não foi contratado para isso — já existem leis que regulamentam
sua atividade. Ao contrário, a otimização das rotas e recursos (veículos e
motoristas) de uma empresa, a distribuição mais inteligente de recursos por
área geográfica, planos de deslocamentos respeitando os desenhos das cidades,
tudo isso pode e deve ser feito por sistemas de software especialistas.
Mas
o que temos constatado é que, pelo menos, 70% das empresas ainda insistem em
fazer a gestão de sua logística e de seus veículos manualmente, mas valer-se de
um grande mapa da cidade, do estado ou do país, e de alfinetes e fios coloridos
indicando as rotas, está longe de ser o melhor jeito de organizar e gerir os
recursos de transporte. Isso está intrinsecamente ligado ao que Scaringella
detectou como a resistência de se alterar hábitos e mudar comportamentos: “É de
se notar que propostas alternativas de uma distribuição mais inteligente de
viagens ou deslocamentos são uma forma de melhorar o trânsito sem grandes
investimentos, porém é necessária muita vontade política para convencer as
pessoas, físicas ou jurídicas, inclusive políticos, a mudarem de comportamento.”
Para
Scaringella, o transporte de cargas com caminhões grandes, médios e pequenos
ajuda a complicar a situação. Essa é a parte que cabe às empresas resolver.
“Não faltaram tentativas nos últimos anos em usar horas ociosas de pouco
movimento para se fazer o transporte e a operação de carga e descarga. O
transportador gosta da ideia, a população que enfrenta o trânsito aplaude,
entretanto os responsáveis pelos pontos de recebimento não concordam em ter em
seu estabelecimento equipes de pessoal e segurança para receber a carga em
horários não-comerciais. O acordo nunca foi possível”, afirmou.
Otimizando
sua área geográfica
É
chocante como as pessoas não otimizam a área geográfica em que atuam. As
empresas muitas vezes distribuem seus vendedores de acordo com a carteira de
clientes, mas se fizessem um trabalho geográfico conseguiriam concentrar esses
clientes e ter uma mobilidade muito melhor. No caso de representantes
comerciais que saem às ruas, é muito fácil fazer a divisão correta dessas áreas
com a ajuda de software especializado. Em muitos casos, conseguimos uma redução
de até 30% na quilometragem rodada, o que é significativo. Dependendo do número
de recursos que estão na rua, com esse tipo de retorno, a empresa paga o
investimento que fez na ferramenta de roteirização rapidamente em cerca de três
ou quatro meses e, depois, é só lucro. Além disso, com uma melhor mobilidade, a
empresa e seus representantes de vendas, por exemplo, podem usar o tempo que
sobra para prospectar novos clientes.
Com
um sistema inteligente de gerenciamento das frotas ou de roteirização, as
empresas não só economizam, como reduzem a emissão de CO2 e ainda não correm o risco de passar
por cima de leis importantes, como aquelas que regulam o tempo de parada dos
caminhoneiros. São muitas variáveis a serem consideradas. Somente com a ajuda
da tecnologia é possível processar todas elas e obter a melhor equação.
A
tecnologia também consegue ajudar a traçar rotas que evitem rodízios, pontos de
alagamentos, alertem sobre a altura de pontes e viadutos no caso de caminhões
baús. E mais… Com a ajuda de software e consultoria, é possível avaliar o
quanto vale a pena atender um cliente do outro lado da cidade que sempre compra
muito pouco. A ideia é fazer com que as empresas se desloquem menos, atendam
mais clientes, busquem novos clientes e ainda melhorem seus serviços.
Outra
questão importante é o controle dos recursos e do dia a dia. Como é possível
saber que um determinado veículo cumpriu a rota pré-estabelecida? Como saber se
um vendedor poderia ter feito mais visitas independentemente do trânsito? Como
se certificar de que o motorista não ficou parado mais do que o necessário em
determinado local ou cliente? Com tecnologia.
Por
onde as empresas devem começar?
No
Brasil, a frota de automóveis e motocicletas teve crescimento de até 400% nos
últimos 10 anos. Isso é resultado também do crescimento econômico do país, mas
as empresas estão longe de automatizar uma série de processos, inclusive seus
departamentos de logística, de delivery, etc, e contribuir para a mobilidade
das cidades. As empresas estão crescendo muito rápido e, quando se faz tudo de
forma manual, conseguem avançar só até certo ponto.
Talvez
o maior obstáculo a uma mudança de paradigma sejam os preconceitos. Muitas
empresas não acreditam que investir em tecnologia seja importante, pois já
fazem aquele trabalho manualmente há 10 ou 20 anos e querem continuar fazendo.
O varejo é um caso típico: são empresas grandes, mas com trabalhos manuais em
termos de logística e transporte; sua lógica de deslocamento está nas mãos dos
motoristas dos caminhões de entrega.
Bem,
mas como começar a mudar? Além de boa vontade e renovação do pensamento
empresarial, nosso primeiro conselho para as empresas que desejam modificar seu
modus operandi é que comecem organizando um banco de dados com todas as
informações de seus clientes, vendedores, fornecedores, parceiros e todos que
aglutinam ao seu redor e fazem parte da sua rotina de negócios. Parece óbvio e
básico, mas o número de empresas que não mantêm uma base de dados com endereço,
nome da rua, número, CEP, etc, em ordem é muito grande. Então, essa é a
primeira lição de casa.
Segundo
passo: esteja disposto a fazer algumas mudanças nas suas equipes e prepare-se
para as resistências culturais. Atendemos uma empresa que não atingiu ganhos
interessantes com mobilidade simplesmente porque não estava disposta a alterar
a sua carteira de clientes X vendedores.
Bem,
a falta de inteligência na mobilidade urbana custa caro para as empresas e
custa caro para o cidadão – nem chegamos a mencionar os impactos ambientais
causados pelas emissões de CO2 na atmosfera advindo dos veículos que utilizam
combustíveis fósseis (petróleo – óleo diesel). A parte que cabe às empresas é
pensar a mobilidade urbana usando mais tecnologia e inovação; esse é o desafio.
*
Carlos Azevedo é sócio-diretor da Geograph e especialista em tecnologia de
geoprocessamento
Fonte:
MundoGeo
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