Se o investimento em infraestrutura e logística é um dos três eixos dos quais depende a retomada do crescimento como tem dito Joaquim Levy em suas apresentações mais recentes, tirá-lo do papel nunca dependeu tanto das sinalizações dadas pelo próprio governo. Pelo menos R$ 51 bilhões podem ser despejados na economia nos próximos anos se o programa de concessões for levado adiante, mas o balanço de riscos mudou.
Na avaliação de especialistas, a forma como as incertezas econômicas podem atingir a expectativa de retorno do investidor ocupa hoje o centro das preocupações - à frente da operação Lava-Jato ou de questões regulatórias. Para eles, a habilidade de Levy e sua turma de equacionar a questão fiscal, a convergência da inflação para o centro da meta e a queda da curva longa de juros deve fazer a diferença entre um quadro de alguns poucos leilões de sucesso - como a Ponte Rio-Niterói, leiloada em meados de março - e a retomada de um programa mais robusto.
A Lava-Jato impacta as concessões, mas o cenário macro e as indefinições políticas ainda mais, especialmente sob a premissa de que quem regula a taxa de retorno é o mercado, diz Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter B. Para ele, a operação com foco na Petrobras afeta dramaticamente a cadeia de óleo e gás e o segmento de estaleiros, sobre os quais não é possível fazer qualquer tipo de previsão. Mas as concessões são afetadas em menor escala.
Levantamento da Inter B. feito com exclusividade para o Valor indica que ao menos R$ 51 bilhões podem sair do bolso do investidor privado em leilões de rodovias, portos, aeroportos e ferrovias. Além de 34.788 MW em geração de energia entre fontes alternativas, cuja participação é cada vez mais expressiva, e fontes convencionais. Os números da consultoria partem de estimativas oficiais.
No geral, a percepção é que o governo perdeu muito tempo tentando impor taxas de retorno menos competitivas e agora tem que lidar com outros fatos, como os desdobramentos da operação Lava-Jato afetando atores que normalmente participariam do processo, além de poder acarretar uma restrição de crédito adicional. Mas isso não vai significar falta de capital para fazer as concessões. É substituição de capital por outros sócios, pois dinheiro não falta, diz o consultor Raul Velloso, para quem a situação econômica faz com que a questão da taxa de retorno se torne mais dramática.
Velloso concorda que a Lava-Jato piorou o ambiente de negócios, mas avalia que as boas empresas vão conseguir atuar. Para ele, a questão central é a mudança em direção a um modelo de concessões em que o Executivo elabora grandes orientações baseado em legislação sobre o assunto e no qual as agências reguladoras têm autonomia. Mais do que colocar Nelsons ou Levys, é preciso mudar a orientação.
José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), também fala em mudança de um modelo bastante concentrador, que lida com trechos gigantes de obras oferecidas às vezes em lotes únicos. A maioria das empresas fica alijada do processo, sem suporte para entrar numa obra de 100 km. Outro ponto de atenção são as garantias dadas em financiamento. É preciso que o governo trabalhe mais com 'project finance' [modelo em que o pagamento da dívida vem do fluxo de caixa futuro do projeto], pois hoje depende-se muito do patrimônio da empresa.
Olhando para frente, as concessões de rodovias e aeroportos têm as maiores chances de sair do papel, pois têm riscos regulatórios mais contidos e possibilidade de alavancar investimentos privados em prazos mais curtos. Em aeroportos, o governo já sinalizou que não vai ter mais a Infraero com 49% do negócio. Isso sem dúvida deve atrair o setor privado, diz Frischtak.
Teremos aeroportos com operadores estrangeiros. Mas aeroportos que já existem, o que não muda o quadro da infraestrutura no Brasil, diz Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Ibre-FGV. Para isso, diz ele, seria preciso uma transformação na visão da política econômica sobre infraestrutura, da mesma forma como estão fazendo na área fiscal. Em portos, por exemplo, setor que também é olhado por investidores estrangeiros, Castelar vê agências enfraquecidas, há anos com diretores interinos. Trazer o investimento privado passa por colocar pessoas de caráter mais técnico nas agências, cuidando do entorno no qual os projetos acontecem.
No geral, o setor de portos têm desafios distintos. Os contratos feitos após 1993 estão em processo de renovação que, se concluído, pode gerar investimentos de R$ 10 bilhões. Nesse caso, a percepção é que o investimento não vai ocorrer no ritmo previsto se o cenário fosse de expansão do comércio, mas vai sair. Na outra ponta, estão os arrendamentos, com dois dos quatro blocos previstos aguardando aprovação do Tribunal de Contas da União (TCU). Nesse caso, a expectativa é que apenas o primeiro bloco saia neste ano.
Outro ponto que merece mais atenção do governo é a navegação de cabotagem, diz Aurélio Murta, especialista em logística e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Muitas das cargas que deslocamos por via rodoviária poderiam ser feitas de um porto a outro do país, mas a navegação de cabotagem não é beneficiada do ponto de vista do desembaraço aduaneiro, diz Murta. Em outros países, não se usa carreta para fazer 2 ou 3 mil km. Nós poderíamos usar a cabotagem, diz.
Os maiores entraves, no entanto, permanecem com as ferrovias, setor em que as dúvidas acerca do papel da Valec se mantêm firmes. O governo havia prometido R$ 15 bilhões para que a estatal garantisse a capacidade das novas ferrovias, mas a operação deve sair de cena diante do ajuste fiscal. Para Frischtak, o mais provável aqui é que o trecho Lucas do Rio Verde-Campinorte saia apenas em 2016, uma vez sedimentado qual vai ser o modelo de licitação. Antes dele, diz o consultor, nenhuma outra licitação em ferrovia deve avançar.
fonte: http://www.revistaferroviaria.com.br/index.asp?InCdEditoria=1&InCdMateria=23178
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