quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Opinião: Por uma regulação cartográfica


Luiz Antonio Ugeda Sanches*

A cartografia impressa é historicamente utilizada como fundamento jurídico das pretensões territoriais, incluindo as dos impérios marítimos. No século XXI, a cartografia deverá continuar a ser assim utilizada, mas agora como instrumento de regulação do território enquanto elemento de infraestrutura.

Esta infraestrutura cartográfica tem obtido importância e relevância no Brasil e no exterior, a ponto de algumas instâncias internacionais a considerarem imprescindível em um futuro próximo. Previsões do Comitê Geoespacial da ONU estimam que, em dez anos, a informação geoespacial reproduzida por métodos cartográficos se tornará tão fundamental quanto a energia elétrica, e o governo será mais regulador e menos produtor de cartografia e de dados geoespaciais.

Dada esta relevância, é necessário identificar o regime jurídico que passará a fundamentar a regulação desta infraestrutura. A Constituição Federal brasileira foi minuciosa ao dispor sobre a competência cartográfica. Está previsto que cabe à União organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional (art. 21, XV, CF), sendo privativo à mesma legislar sobre sistema estatístico, cartográfico e geológico (art. 22, XVIII, CF). Neste cenário, resta a questão central, que é identificar qual o órgão representante da União para exercer a competência constitucional de organizar e manter o serviço oficial de cartografia.

Atualmente a infraestrutura cartográfica é gerida pela Comissão Nacional de Cartografia – CONCAR, órgão colegiado do Ministério do Planejamento. Em que pese a virtude de se ter uma entidade que reflita sobre a cartografia nacional, o fato é que o CONCAR  não  é um órgão apto a regular e fiscalizar, com estrutura jurídica própria que proporcione a eficácia de suas iniciativas.

Na ausência de um único órgão que regule e fiscalize a cartografia, há atualmente uma espécie de proliferação de políticas públicas que utilizam a cartografia como base de suas atividades. Como exemplo, além da responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) de fixar precisão posicional do Sistema Geodésico Brasileiro para efeito de transação de propriedades rurais, temos o novo Código Florestal apontando treze itens de repercussão cartográfica, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)  elaborarando um Sistema de Informações Geográficas Regulatório (SIG-R) e os municípios  preparando cartas geotécnicas para inclusão nos planos diretores. Todas estas políticas usam a cartografia como instrumento de representação das áreas de atuação daqueles órgãos.

Logo, é preciso se criar um órgão autárquico que estabeleça regras claras e funcione como maestro das iniciativas. Uma agência cartográfica, pautada pela criação de um Código Cartográfico, poderia ser o primeiro passo para aprimorar a governança setorial e aprofundar os esforços para se editar uma plataforma cartográfica una. Seria a grande oportunidade para desenvolver políticas públicas multissetoriais com base cartográfica robusta, bem como para redimensionar as profissões de Engenheiro Agrimensor, de Engenheiro Cartógrafo e de Geógrafo para este novo enfoque.

A cultura regulatória se avizinha à infraestrutura cartográfica, necessidade já percebida em outros segmentos da indústria e que possibilita individualizar direitos e deveres do governo, das empresas e dos cidadãos.

Há um provérbio Chinês que diz que os pais sensíveis dão aos seus filhos raízes e asas. E também um mapa. A cartografia do século XXI é um pressuposto da Justiça, praticada na transação de propriedades, na proteção do meio ambiente, na gestão das cidades, bem como numa infinidade de situações que o Brasil apenas começou a descortinar e que, para tanto, precisará de um grande, estruturado e preciso mapa.

* Doutorando em Geografia (UnB). Mestre em Direito e em Geografia (PUC/SP). Presidente do Instituto Geodireito – IGD. las@geodireito.com

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